sexta-feira, 24 de abril de 2009

Egocentrismo

Minhas veias dilatadas expressam meu próprio espírito inquieto, ansioso, que não encontra paz mesmo quando o universo implica nela. Meu espírito que sente raiva, mas que não tem motivo para tanto. Minhas veias dilatadas não sei por quê. Talvez estejam com excesso de sangue, talvez esteja com a pressão baixa. Quem sabe não estou simplesmente com calor? Meus olhos lacrimejam, e mostram minha alma solitária, que não se identifica com a de ninguém, mas ao mesmo tempo aprecia a de todos. Meus olhos, que em solitário e inexpressivo pranto despejam lágrimas que não existem, são janelas para um espírito sedento por carinho, por afeto, assim como são para um espírito que não consegue conversar com outro, que se isola e pensa, que cria representações de si mesmo em sua solidão. Por vezes intencional, por vezes imposta.

Meu corpo de veias dilatadas comporta um espírito carente, assim como a um espírito solitário e indagador. E, como se não fosse suficiente portar personalidades que, juntas, levam à sua auto-destruição, que juntas, como parasitas, levam à perdição de seu hospedeiro, e que mesmo assim se completam sem intenção, também insiste numa outra, talvez a mais recém-criada delas, que vê o lado engraçado das situações mais constrangedoras, que associa situações e cria humor, e demonstra um estado de espírito em absoluto contraste àquele que predomina nos momentos de solidão.

Porventura não tenho tripla personalidade? Quem sabe meu lado feliz não passa de uma máscara, usada para que possa andar em público sem chamar atenção à minha própria melancolia natural, e, assim, talvez, por esse mesmo público, ser aceito? Sou o que sou, e sou solitário, e por nada me identifico, mas por tudo tenho admiração. Preciso de atenção, e minhas veias se dilatam, meus olhos lacrimejam lágrimas invisíveis.

Talvez esteja simplesmente com calor

terça-feira, 21 de abril de 2009

Medo

Imagine-se numa noite quente. Todas as pessoas na sua casa já foram dormir, o escuro total o envolve, exceto pela luz do monitor do computador que você insiste em usar, graças a diálogos no messenger. Eis que um amigo seu lhe pede, exatamente no momento em que você decide ir dormir, para ver um vídeo. Você não hesita, e clica no link, para então ver uma coisa que lhe parece estranhamente familiar, mesmo que tenha certeza de nunca ter visto: Obedece a la morsa. Você se assusta a princípio, mas insiste em ver, insistindo na sua coragem. Aos poucos, você não tem mais medo da criatura deformada em roupas exóticas que insiste em dançar mesmo com suas limitações físicas, você chega a sentir pena, compaixão. O plano muda, e, mais tarde do que deveria, você percebe que ela se aproxima em passos cambaleantes da câmera, seu coração se alarma, uma corrente de adrenalina passando por seu corpo, você vê aquilo se aproximando, você insiste em ver, diz a si mesmo que é só um ser humano, você olha pro rosto daquela pessoa, e vê um olhar quase maligno, você olha para seus braços e pernas deformados, acompanha o cambalear, a câmera se aproxima do ser ao mesmo tempo em que ele se aproxima dela, a música que perdurara o vídeo inteiro cessa, e só o que você ouve é o som dos passos, você entra em desespero, aquela criatura não está se aproximando da câmera, está se aproximando de você! Sua parte racional insiste que não é verdade, mas você não consegue deixar de sentir isso, e você, assustado, fecha a janela, mesmo que faltem apenas 15 segundos para que o vídeo termine.

O medo, tal como a dor, é impossível de controlar, ele não depende de você, depende do exterior, e você não pode fazer com que o exterior mude, ele quer que você tenha medo, você vai ter medo, não há escolha.
O medo, tal como a surpresa, pode ter várias formas, mas que se resumem todas a uma mesma sensação. E como a surpresa, o medo se dá pura e simplesmente com uma quebra da rotina, um hábito quebrado, algo que está fora do lugar.

Esse medo, que pode ir desde o inocente terror que os cães têm em relação a um simples e benéfico banho, ao medo da morte. Talvez não a sua própria, quem sabe não é a de um amado? E tal como a dor, o medo revela o verdadeiro ser humano, apenas frente ao horror um pode demonstrar suas verdadeiras virtudes. Frente ao medo verdadeiro, todas as máscaras caem, ele é a verdadeira representação da natureza humana.

Há aqueles que podem controlá-lo, e, se o medo é a representação do homem, então aquele que o controla também pode controlar a humanidade. Quem ousará desafiar alguém que o aterroriza? Quem poderá contrariar alguém que lhe causa uma sensação desagradável de impotência, que lhe faz sentir que, se não obedecê-lo, ele poderá lhe fazer mal ou àqueles que lhe são queridos?

Os corajosos.

O medo, diferente da surpresa, não é caracterizado por apenas um momento, onde você leva um susto, e também é diferente da dor, indestrutível, destruidora, mortal.

O medo é uma proteção, uma maneira de preservar a si e aos outros, uma maneira de fazer com que aquilo que você preza seja mantido. Mas, se para proteger aquilo que você preza, o medo precisa ser derrotado, se para que você e aqueles que lhe são queridos possam ser felizes, para que estejam bem, o escuro precisa ser enfrentado, o governante amedrontador precisa ser contrariado, e aquele monstro que você chama orgulho precisa ser derrotado, para que a crueldade e o sangue frio deixem de existir, você precisa sacrificar a si próprio de alguma maneira, então o medo toma outra forma, a que chamamos coragem. Ah, mas não se iluda, ela ainda é o medo, mas agora ele se transformou, e tal como uma uma treva que se torna luz, ele muda sua natureza, mas nunca perde sua verdadeira essência. E então você vê que aqueles que usam o medo são os mais fracos dos homens. Aqueles que vêem nele uma maneira de controlar ao próximo só o fazem por não verem em si próprios uma maneira de fazê-lo de outra forma. Essas pessoas sucumbiram ao medo, e não podem transformá-lo em coragem. E se tornam covardes. Covardes, não por terem medo, mas por serem incapazes de ver através dele, e o medo os domina, e o medo os destrói.

Há também aqueles que usam o medo por prazer, que vêem no horror alheio sua fonte de felicidade. Muitos os chamam de loucos, eu os admiro, e os chamo fascinantes.
Tenho medo do medo, e vejo em sua derrota um grande prazer. E derrotá-lo é, muito, muito simples. Não é necessário nada mais do que ententendê-lo. E quando o fizer, ele já terá tornado-se um calor que lhe dará força, que quebrará barreiras, que fará com que o nada exista, e o impossível se desmantele.


segunda-feira, 13 de abril de 2009

Manchas

Os clamores dos vivos são as canções da morte.

Horror e dor, com todo o seu sabor. Amor e sorte, tudo acaba na morte. Um sentimento de desânimo, a mente entre nuvens, um calor que se espalha, uma ansiedade inevitável, a incapacidade para criar, dificuldade de raciocínio, uma caneta estourada, uma mancha derramada em sua escura cor que não existe.

A tinta preta não é preta, só a morte é escura. A tinta é azul, é roxa, é falsa. Só a morte é preta, porque a morte não tem luz, a morte é morta, e a morte cura.

Cura o corpo, porque um corpo morto não fica doente, um coração parado não sofre, um cérebro estourado não é corrompido, um neurônio morto não sente dor. A mente morta morre com o corpo. A mente que está morta eu não sei por que. A mente está morta por estar desanimada, por estar quente, por estar com dor, por ser ansiosa sem motivo. A mente morta morre e então fica viva, torna-se livre, longe das nuvens que a encobriam, e a mente viva pode dominar o mundo.

A mente viva mata corpos e não pode ser morta. Porquê só um corpo pode matar uma mente, e um corpo só pode matar um corpo. Só um corpo com uma mente viva pode matar uma mente viva. E as mentes estão mortas.

As manchas pretas que antes pareciam tão distantes agora estão aqui ao lado, as manchas de tinta preta falsa que antes apareciam por engano, por um erro de cálculo ou por um acidente com a caneta agora são feitas por intenção. Intencionalmente, porque, mesmo falsa, mesmo que de fato seja azul, a tinta preta mascara melhor que um risco de azul nítido. Uma mancha para algumas mentes é só sujeira, mas para aquela que anseia por sua vida ela é criação, para a mente que luta para se libertar, a folha manchada é um alívio para a ansiedade, um resfriamento do calor incômodo, um raciocínio que existe, mesmo sem sentido, mesmo que baseado em uma depressão sem base. Uma depressão, que como a tinta, é falsa. Mas também uma depressão, que como a morte, é benéfica, que liberta, que domina o mundo.

Certa vez, um vivo cuja mente foi morta por si própria, que em sua morte se tornou viva, e num corpo vivo pôde dominar o mundo, perguntou a seu universo: Qual é o sentido de viver, se o destino de tudo é morrer? Para que construir, se tudo irá se destruir? Se para que o vivo deixe de morrer, ele precisa estar morto, então matarei a tudo que é vivo, e destruirei tudo que É.

E foi então, que ele destruiu não ao universo, mas a si mesmo. Sua mente estava viva, seu corpo também. E da morte nenhum escapou.


Mas toda a morte parece sem forças, a depressão é estúpida, o calor não existe, as nuvens se adaptam e se tornam boas apenas com aquele som, aquela vibração do ar, a contração dos pulmões, um sorriso que parece esculpido pelo valoroso e admirável da Vinci.


Como pode um clamor dos vivos derrotar tão facilmente a poderosa Morte? No fim, ela é fraca, e só existe para que se possa definir a vida.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Negação

Aquela mulher alienada que diz "ela ficou tanto tempo pra escrever ISSO?" não conseguer ver o esforço que aquela outra pessoa teve para se expressar, mesmo levando em conta o desincentivo para escrever, em pró da fala, mesmo não sendo bem escrito, mesmo não sendo belo, marcante, impactante, é a representação de um sentimento. Ela nega porque não compreende. Ela nega porque não empatiza, porque seus olhos estão cegos por seu próprio mundo habituado, por seu trabalho repetitivo, pelas multidões de olhar morto e sem emoção, presos à rotina. Não indagam, não pensam, não criam, apenas vivem, são levadas pelos líderes que lhes impões um estilo, uma visão. São levadas por um metrô velho e desconfortável, mas que leva, e que cumpre seu dever. Um metrô como a multidão. Ele pode se encher de todo tipo de gente imunda, de mercadoria roubada, de mendigos, de empresários, de estudantes, de trabalhadores, de poetas, de pensadores, mas no fim, mesmo que essas pessoas não estivessem sendo cuspidas para fora em toda estação, se estivesse vazio, sem nem mesmo ar dentro dele para que qualquer coisa respire, não faz diferença.

Às vezes a porta trava, gente atrasada, gente descuidada, gente vândala. Também não faz diferença, só pra quem percebe que precisa que ele se mova. E às vezes só percebe quando ele se atrasa, quando o padrão se quebra, quando a rotina é socada, os olhos cheios de nada, fechados para si próprios se abrem e vêem que algo naõ está certo. Mas ainda assim, eles não podem, mesmo depois de perceberem, impedir que o metrô se atrase, não está em seu poder, não ousam, porque só quando todos percebem é que podem impedi-lo, mas não podem. E se fecham, e não pensam, e não indagam, e não vêem. E aí negam, negam, negam, negam e negam. Negam a si próprios, negam ao seu poder, negam sua mente, negam aqueles ao seu lado, negam a carta cuidadosamente dobrada em forma de coração por uma menina, negam porque não empatizam, e olham com seus olhos inúteis e sem essência para algum qualquer que, quem sabe, poderia deixar de negar, e perguntam numa voz atônita, porém sem base, apenas repetindo algo que ouviu alguém dizer, e nunca se preocuparam em pensar em seu por quê: "Deu pra ler as coisas dos outros, é?", e continua olhando, boca aberta, olhos em um ponto fixo no centro de seu rosto, e nenhuma palavra sai de sua boca, moldada por sua língua e dentes sujos, só para então começar a ler um trecho, em voz alta, para que qualquer um a seu lado possa ouvi-la.

Neste momento, uma faísca, um flash de razão lhe passou pela mente, e ela viu que seu valor não tinha fundamento. Mas ninguém ouviu, porque todos estão mortos. Estão mortos e não vêem. Estão mortos e negam. Talvez aquela pessoa, a dois passos de distância, que tentava ver do que se tratava a carta, consiga definir algumas palavras misturadas ao barulho alto e incessante do metrô andando. E aí o flash acaba, e aquela mulher volta a seu mundo, suas regras impostas são reestabelecidas, a porta abre, ela retorna a sua rotina, seu renascimento acaba, ela volta para a morte, e foi morta pela sociedade, foi morta por si mesma. Ela nega por ter sido negada.

Por quê, no reino de um Deus que apenas aqueles cujos corpos foram dilacerados ao ponto em que sua morte acaba, porque seu corpo também morreu, e a morte da morte nada menos é que a vida, podem dizer se existe ou não, aquela velhinha não viu o lugar vazio no ônibus cheio, que lhe foi concedido por alguém que viu a necessidade de que ela estivesse sentada, mesmo que essa outra precisasse, para isso, ficar em pé, seu corpo à mercê da inércia e em contato com tantos corpos estranhos? Mesmo que tivesse passado ao lado do lugar vazio, por que não o viu? Ela está morta. e ela não vê. Não vê porque nega. Nega por estar morta. E a morte não a deixa ver.