domingo, 8 de março de 2009

Impotência

Um dia como outro qualquer. Você acordou de madrugada, se vestiu, escovou os dentes, arrumou suas coisas, e saiu para a escola, como em todos os outros dias, ah, a terrível rotina. Mas, quando você sai de casa, você vê que pra alguma outra pessoa não foi qualquer dia.

Policiais, muitos policiais parados na rua oposta à sua. Você ouve vozes, vê que um homem qualquer está conversando com eles, outro homem está sendo revistado, a poucos metros de distância. Você passa pelo meio da comoção, seu corpo e seus olhos demonstrando indiferença, mas sua mente trabalha em um turbilhão de teorias. Isso é, até que, ao passar pelo último carro de polícia, você ouve uma voz de mulher que chora, vinda de dentro do carro, você ouve uma policial tentando conversar com ela, mas seu pranto é mais forte do que as palavras. Seu coração é invadido por uma explosão, um sentimento inabalável que é uma mistura de tristeza, empatia, e, principalmente, impotência.

A impotência, você logo pensa, é injustificada. Você não sabia do que estava acontecendo. Quando você soube de algo, já havia acontecido. Não há diferença, por exemplo, do holocausto hitleriano. Aconteceu, foi ruim, mas está fora do seu poder.

O problema é quando você, depois de subir uma ladeira, ao descê-la, ver que um homem está levando uma mulher, que parece ser sua esposa, praticamente arrastada pelo pescoço, ela tenta lutar, mas é fraca demais. Seu instinto protecionista é logo ativado, mas sua razão é mais forte: se você tentar lutar, você vai perder. Ele é um homem adulto, mais forte, e mais experiente do que alguém que nunca brigou na vida. Não só isso mas, quando você perder, você terá perdido a briga, a saúde, o dia letivo, quem sabe até mesmo a própria vida! Seus pais e seus amigos ficariam preocupados e o repreenderiam por uma atitude impensada. Mas, principalmente, você teria perdido não só a briga física, como também a ideológica. Quando aquele homem que agride uma mulher terminar com você, ela será obrigada a ir pra casa, e nada irá mudar. De fato, mesmo que você tivesse ganhado, nada iria mudar de qualquer jeito! O que, afinal, você poderia fazer? Nada. Impotência, triste, cruel e real.

Nada foi feito, mas um olhar fixo, demonstrando raiva, e um punho fechado devido ao ódio são as demonstrações que seu corpo dá à situação. Aquele homem percebe a sua presença, talvez devido aos chaveiros que você carrega na sua mala. Ele olha de soslaio pra você, e os dois, homem e mulher, andam como se nada estivesse acontecendo. Você atravessa a rua para, já que seu passo é mais acelerado do que o deles, poder olhar em seus rostos. O homem demonstra uma raiva aparente, que tenta disfarçar. A mulher, apenas raiva, não tenta esconder, e seus braços estão cruzados, evidenciando que está se contendo ao máximo. Eles viram a esquina, ainda sem continuar a agressão.

Muitas horas mais tarde, você volta pra casa, e descobre que aquela mulher, que você descobre depois, tinha 17 anos, houvera morrido.

Impotência, por não poder ajudar uma mulher que é agredida pelo marido. Impotência, por não poder alimentar todas as pessoas e animais do mundo. Impotência, porque você não pode voltar no passado e impedir uma tragédia de acontecer. Impotência para não poder arrancar o sofrimento e a dor dos corações de todos os humanos, e, sobretudo, daqueles que você ama. Impotência por não poder, ao invés de arrancar o sofrimento alheio, transferi-lo para si mesmo. Impotência para cuidar de você mesmo. Impotência para tornar o mundo inteiro melhor.


O que você não percebe, porém, é que a impotência não existe.


Mesmo que você não possa fazer nada por definitivo, você fez algo. Aquele homem que agredia a esposa na rua, ao ser obrigado a parar de fazê-lo por um tempo, pode ter pensado, e reconsiderado a situação. O fato de que aquela mulher houvera morrido se provou um rumor, ninguém sabe realmente o que aconteceu. Você pode não alimentar todas as pessoas e animais do mundo, mas pode comprar a revista de um guru, que se mostra uma ótima pessoa, assim como pode adotar aquela cadela que deu cria recentemente na rua perto de casa até que ela e os filhotes estejam bem, e depois doá-los para pessoas confiaveis. Você pode repensar suas prioridades, e cuidar melhor de si.


Quando você senta ao lado de um amigo que sofre, põe a mão em seus ombro, e diz que não pode fazê-lo para de sofrer, mas que, não importa o que aconteça, você estará ao seu lado, você não transferiu suas forças, mas criou novas, e as deu a ele, forças que lhe darão novo motivo para viver.

Ninguém, absolutamente ninguém pode salvar o mundo inteiro sozinho, isso não. Mas todos podem mudar seu próprio mundo, e isso não lhe traz mal algum. De fato, não há sentimento melhor do que ver que o mundo de outra pessoa foi salvo em parte por você. Se todas as pessoas salvarem o mundo umas das outras, então só assim o mundo será salvo, e não será graças a elas, mas graças ao próprio mundo, que salvou a si mesmo.


"Você conseguiu derrotar uma coisa que eu pensei que ninguém conseguiria. Por isso eu também resolvi pensar que existe um jeito para tudo. [...] Eu quero ser mais forte."



"Run, you fools"

2 comentários:

Daani disse...

Nem sempre um problema pode ser reparado por palavras. Mas quem está aqui realmente está.
"De fato, não há sentimento melhor do que ver que o mundo de outra pessoa foi salvo em parte por você."

Unknown disse...

Talvez o altruísmo não exista, mas a força de vontade existe, e isso ninguém pode alterar.

Uma intenção vale, talvez não mais que um ato concreto, mas o que são atos concretos sem uma mente que pensa por trás dos mesmos?

E, não fugindo do inevitável, danilão, você tem A mente que pensa.

Um abraço.